terça-feira, 8 de março de 2016
A Astrologia nos orienta que
a cada trinta anos todos nós temos a oportunidade de aprender, despertar e
promover a própria mudança. Acontece como uma inquietação e dá o efeito
“start”. Algumas pessoas mudam próximo
aos 30, outras aos 60, outras aos 90 e outras não aprendem.
Reencontrei essa pessoa. Ela
mostrava-se altiva, segura em suas atitudes. Na verdade, ela escondia uma
mulher carente e frágil, insegura e amedrontada. Somente aqueles mais atentos como eu, poderia
perceber isso com apenas um olhar. Experiência
de vida. Dejà vue. Lembranças de
vidas passadas. Fiquem à vontade. O fato é que o olhar diz tudo. Olhos pretos pequeninos,
com vastos, longos cílios, e olhar expressivamente triste. Sorriso sem brilho. Músculos
da face tensos. Ela pensava que podia enganar a todos vestindo todos os dias aquela
personagem feita de papel crepom para sair. O tempo todo ela investia sua
energia na construção daquela personagem para fugir de quem era realmente. Não!
Arrogante, orgulhosa e prepotente, não queria ser vista por todos como uma
pessoa comum. Ela queria ser alguém importante aos olhos dos outros. Afinal, uma
vencedora, dado seu histórico familiar, abusos, traumas. Ela tinha que ser
diferenciada, estar em destaque para ser notada e ovacionada ante a multidão de
pessoas comuns. Faltava-lhe pouco para usar uma melancia pendurada no pescoço, tamanho
seu apelo por atenção; e utilizar da característica cômica de seu personagem.
Não! Seria deselegante. Queria ser notada por sua inteligência. Fazia questão
de falar sobre seu QI elevado. Havia se formado numa Universidade particular, inscrita
no programa de ajuda financeira a estudantes que não podem pagar a universidade,
estudado um idioma estrangeiro. Gabava-se, dizendo ter a certeza de sua
importância para a sociedade como formadora de opinião etc. e tal. Não
conseguiu estabilidade profissional nem econômica. Usava maquiagem, roupas,
perfumes que não podia pagar. Usava o mágico cartão de crédito. Muitas vezes
não tinha sequer dinheiro para o ônibus. Ela fez questão de mudar-se para a
zona nobre da cidade, morando numa vaga, e posar de classe média alta. Queria apagar lembranças de sua origem sem
refinamento. Coincidentemente, seu sobrenome era o mesmo de alguém influente no
cenário político nacional. Não tinha qualquer parentesco com a tal criatura.
Somente coincidência mesmo. No entanto, ressaltava o sobrenome para fazer
efeito sobre as pessoas. Falava muito, emendando um assunto em outro, para não
dar tempo ao ouvinte de fazer alguma pergunta e, para ao mesmo tempo, ter a
sensação de que tinha domínio do discurso e a atenção do outro. Articulada. No
perfil de seu personagem constava que ela expressava suas ideias demonstrando não
somente conhecimento como desenvoltura e firmeza em assuntos como sexo,
política, religião, preconceito, mecânica de automóveis etc. No entanto, tudo
texto decorado de sua personagem. O seu texto era muito diferente. O que aqueles olhos pretos pequeninos me diziam
era que ela se sentia a mais carente e solitária das criaturas. Ela tinha fobia
por falar em público e era tímida. Seus
olhos pretos pequeninos, antes de tudo, pediam ajuda. Só que a personagem
estava tão presente que já não havia mais espaço para ela, só os olhos pretos
pequeninos ainda permaneciam ali. Há
muito ela havia se infiltrado naquele texto criado, e já acreditava piamente
ser a personagem. Imagino sua destreza nas sessões de psicoterapia, tentando
manipular a terapeuta, convencendo a si mesma e à terapeuta, de que fazia
terapia por ser chic ou por outra
razão qualquer.
Ela nunca relaxava, sua
mente era como um motor ligado na potencia máxima, prestes a parar de funcionar
por superaquecimento. Seu semblante,
pesado. Sua pele muito alva. Inconscientemente, ela fugia da luz do sol. Doava
à personagem uma energia que não possuía para provar a si mesma que podia
construir uma personagem poderosa, imbatível e irresistível. Ela, não a personagem, sentia-se um patinho
feio, tinha TOC, sentia dor de cabeça constante, enjoo, devido à gastrite
crônica, dor nas costas, dor nas pernas, prisão de ventre e sofria de insônia. Estava
esgotada. Visivelmente, a aparência bem mais velha para a sua idade, apesar de
apresentar um comportamento emocional tipicamente adolescente. Olheiras visíveis
pela ausência de sono e cansaço físico e mental. Ela já apresentava um quadro
de depressão. Analgésicos, ansiolíticos e outras cositas mas. Contrariamente à sua personagem, esta tinha autoestima
elevada, adorava o sol, a praia, exibir-se. Era viva, dinâmica, atualizadíssima,
munida de seus dispositivos eletrônicos, alegre, jovial e sedutora. Sua personagem usava um olhar sedutor, fala
sedutora, cabelos longos soltos, que balançavam ao vento, conforme caminhava na
rua ou praia, só para seduzir pessoas comuns. Adorava perceber os olhares de
cobiça e inveja. Tudo, conforme constava no script,
que seguia direitinho, para não ter que lembrar que para gostar um pouco de si
mesma havia se submetido a inúmeras cirurgias plásticas e, mesmo assim, ainda
não estava satisfeita consigo própria. Ela,
a personagem, fazia biquinho para
pedir orientação sobre indicação de uma rua ou simplesmente para pedir ao
vizinho de porta, casado, trocar um armário grande de lugar, só para dar
motivos para a vizinha brigar com o marido, e assim, sentir-se
po-de-ro-sa. Afinal, ela seduzia por prazer,
o seu próprio prazer. Ela queria e pronto. Tão diferente da criadora da
personagem. Faltava-lhe senso ético,
moral e religioso. Também adorava passar por uma obra só para ouvir os
trabalhadores, pessoas comuns, se deliciarem, referindo-se a ela como algo de
comer. A personagem me contava tudo com ar de sapeca para, logo em seguida,
penso, cair em si e revelar seus olhos pretos pequeninos e tristes. Sua
personagem era perfeita, gabava-se dizendo nunca ter se submetido a nenhuma
cirurgia, que tudo era natural. E que nem precisava fazer academia. Podia comer
à vontade. Comia brigadeiro, massas diversas, açaí e podia comer um boi
inteiro, pois sim. E dizia que se
ganhasse peso, seriam apenas poucas 100 gramas, até bem menos. A criadora da
personagem nem se alimentava direito, devido especificamente à gastrite
crônica; por isso era magra. A
personagem dizia que tinha ficantes,
pois adorava transar; comparava-se a uma ninfomaníaca. Dizia que quando estava a fim de, era só chamar aquele que iria satisfazer seus desejos
específicos daquele dia. Ui! Eu acompanhava seus momentos de perto. E como quem
sabe diferenciar um gêmeo do outro, eu observava seu esforço em aparentar ser o
que não era diante das pessoas, tratando-as sempre pelo primeiro nome,
demonstrando segurança e intimidade sem ter. É engraçado, esse senso arrogante
de autoimportância. Tão anos 50-60 isso; tão démodée. Eu não posso evitar um sorrisinho de canto de boca quando
presencio tais cenas. Tem gente que parece que veio direto do túnel do tempo. Rs.
Toda vez que estávamos
sozinhas, ela sentia-se um pouco à vontade para despir-se de sua personagem e
respirar um pouco seu próprio ar, conversar comigo, olhar no olhar, e perguntar
o que eu pensava de tudo aquilo. Ela dizia que queria casar de véu, grinalda,
flor de laranjeira, um vestido branco lindo e ter muitos filhos. No corpo da
personagem procurava alguém enquanto a personagem tinha interesses bem
diferentes. Ela não compreendia porque ninguém a amava. Vários relacionamentos
vazios, experiências repetidas não aprendidas. A briga interna entre a
personagem, mulher fatal que criara, e a mulher real carente e amedrontada
estava ficando séria. Sua personagem era independente, livre, leve e solta. Era
indomável. Filhos não estavam em seus planos. Homens somente para
diversão. A sombra estava apossando-se dela. Sua criadora queria pertencer a
alguém, ter um lar e filhos. Dependente emocional. Frustrações compartilhadas
com seus gatos, comigo e poucos amigos. A personagem fazia carão nas redes sociais em eventos diversos. Ela chorava baixinho,
agarrada ao seu travesseiro à noite em seu quarto.
Por alguma razão ela
sentia-se segura com a minha presença. Ela
me pedia orientação. Por vezes, ela
mesma me disse que eu era como uma fada, “minha
fadinha”. No entanto, já estava tão impregnada da personagem que criara
para si que voltava imediatamente para a personagem, toda vez que parecia que
algo a trazia de volta para si. Ela, a personagem, então, irritada, me chamava
de “dona da verdade”. “Minha fadinha”, para ela e “dona da verdade” para sua personagem.
Duas falas, textos opostos. Engraçado isso. Dupla personalidade. Bipolaridade. Incorporação
de uma entidade. Espírito obsessor. Fiquem à vontade. Tudo que ela não queria
era mudar, sua personagem a seduzira também. Era a sombra Lillith que ela
não podia bancar, eu dizia.
E quando dizia que queria
mudar, não percebia tratar-se de um processo. Ela queria mudança rápida, como
se estivesse sendo espionada. Eu falava-lhe sobre alimentação saudável, meditação,
respiração consciente, mantras, tai chi etc. Ela queria aprender tudo rápido, absorver
tudo rápido, como se eu pudesse fazer transferência direta de dados. Como se,
ela mesma, fosse um de seus dispositivos, pronta para fazer transferência de
dados. Estava perdendo-se há muito tempo e não percebia o tempo passar. Estava pensando
que podia continuar o que não tinha condições de bancar. Petulância. Burrice.
Eu lembrei as palavras do velho Mestre: “Não podemos oferecer ensinamento
a quem não está pronto”.
Eu a reencontrei, após um
longo tempo, no Metrô, por acaso. Por acaso, naquele dia, eu havia decidido ir
de Metrô ao invés de ônibus, como de costume, ao meu destino. Ela dirigiu-me o olhar como quem reconhece
alguém que mora no mesmo bairro, por frequentar os mesmos lugares apenas, a
personagem. Eu lhe sorri.
Até hoje ela segue vivendo
através da vida da personagem criada, que está cada vez mais no controle,
ganhando vida própria, apossando-se do seu corpo, sufocando sua criadora Só os
olhos pretos pequeninos e tristes ali, ainda resistindo. O mesmo olhar pedindo
ajuda. Não adianta, o olhar diz tudo. Ela deixou o Metrô primeiro. Nem disse tchau. Penso que a personagem queria
evitar qualquer recaída dela, tirando-a rapidamente dali.
Qualquer semelhança com
pessoas e/ou fatos, não terá sido mera coincidência, é padrão arquetípico
mesmo.
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